Fake promessa

“Prometo cuidar de vocês” disse Isabel, disse o governo, disse também a pandemia

A primeira favela, a primeira comunidade surgiu de uma promessa não paga pelos barões. Depois fizeram outra jura, acabar com as favelas, mais uma promessa também pendente na história brasileira. A impossibilidade desse pacto ser pago deu início a naturalização das comunidades mesmo com todo contexto invivível pra essa gente, minha.

E tem várias formas de acabar com aquilo mal apelidado de: problema, fazer ou fingir fazer, você escolhe, ou melhor, já escolheram! Jogue uma pandemia dentro das comunidades, cadeias, quilombos, aldeias etc. Pra dar fim em (1) preto e (2) pobre, precisamente nessa ordem. Deixe a pandemia cuidar deles!

“Mas lá vem você de novo com esse papo de racismo, isso é passado.”

“Os mais racistas são os próprios negros”.

“Pra mim é todo mundo igual”.

“Eu não vejo cor, só coração”.

“Eu sofro racismo reverso”.

As falas de uma rasidão tremenda sobre o assunto mais profundo da nossa nação, nunca conseguiram me explicar quem fala sobre “racismo reverso” falar então sobre “capitalismo reverso”, também existe? Definitivamente a grande maioria não entende a estrutura nem seus agentes.

É um negócio lucrativo tornar, o já não habitável, um lugar vazio. Pra tornar uma estrutura mais sólida basta eliminar as extremidades e essa estrutura é a elite do atraso querendo se livrar daquilo criado por ela mesma ao deixar de pagar suas promessas. 

“Vocês produzem a miséria e nos impedem de chegar a nível social”¹ – a elite não se responsabiliza por isso, sequer tão vendo ou fingem. O povo sobrevive ou acha que vive. E de uma ponta a outra tem um miolo desesperado pra não virar povo, comendo as migalhas (quando têm) jogadas pela elite. O Brasil é muito mais complexo que esse desabafo óbvio até, eu não teria petulância nem capacidade de fazer um resumo tão preciso. 

Eu apenas não quero deixar de pensar e agir sobre isso para estabelecer relações de como expresso minha arte. Esse ensaio aborda um sonho da branquitude em eliminar o problema causado por ela mesma diante de tantas e tantas promessas não pagas e vão se tornando maquinais na vida de quem é obrigada a habitar esses lugares. E sabe que novidade temos aqui? Nenhuma. Racismo, desigualdade e corrupção fazem parte do nosso passado e presente, a pandemia jogou um holofote nisso tudo, uma grande oportunidade para mudarmos, mas não. Optei então por não mostrar as pessoas, novamente, buscando sobreviver em meio ao caos, a tragédia, sair sedento com minha câmera atrás de gente com máscara para expor “a população está se virando como pode, que povo guerreiro”, não, definitivamente não. A necropolítica² taí! Minha busca é expor o substrato da elite sonhando com as comunidades vazias, sem povo, com o fim do problema criado por ela. O sonho da branquitude não é ver as comunidades vazias por conta da classe pobre emergir social e economicamente, o sonho é ver pretos e pobres desaparecerem por outros meios inaceitáveis à condição de vida humana.

Eu já tinha dito em março deste 2020, “ceis tão pedindo pra pessoa usar luva pra proteger as mãos, só que ela tá andando descalça”. Se não entendeu, então você faz parte da galera do atraso aí. 

¹Trecho da música “Burguesia” do grupo De Menos Crime, álbum Na Sua Mais Perfeita Ignorância lançado em 1995

²Termo abordado por Achille Mbembe sobre formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte

Ensaio e texto: Nego Júnior — Revisão: Jéssica Martins