Bandeira de Kitembo, Tempo — Foto de Nego Júnior © IMG_22155

Terreiro

No instante da descoberta de que meus ancestrais não estavam divinizados no céu, mas sim na terra, entendi a dimensão de ser terreiro para além de ser de terreiro. E nesse átimo, Tempo cumpria seus infinitos papéis.

 

Nego Júnior passou a experimentar a espiritualidade por uma benzedeira, vizinha da casa onde morava no extremo sul da cidade de São Paulo. Posteriormente, ainda menino, começou a frequentar um terreiro de umbanda onde tomava passe com as entidades de Mãe Lourdes de Xoroquê.

 

Após um hiato espiritual, o fotógrafo reencontra-se com a espiritualidade ao buscar terreiros para registros documentais das práticas religiosas da diáspora africana em Brasil. Esse reencontro pode ser entendido como uma combinação de acontecimentos e arranjos incorpóreos para dar continuidade ao que fora iniciado quando ainda era um moleque.

 

Acompanhando sua ancestralidade, de entidades e divindades, seu olhar e sua chatice, sempre buscou dar sentido à imagem conectada ao intangível. Talvez nunca consiga, mas seguirá chato em sua caça e é nessa prática a morada de sua devoção.

 

Um olho na espiral, outro nos mais velhos.
Ebó—Nego-Júnior—IMG_8697
Galo né! Acorda cedo, sem frescura, protege os seus.

 

O afunilamento contemporâneo vai nos afastando dos elementos que são a base dos cultos nos terreiros, então eu prefiro minha filosofia cabeça duraciana de seguir com os pés na terra.

Cosmopercepção

Odu não é algo fixo e singular
É uma interação dinâmica de forças e influências

 

Eu pedi a Nzambi, para retirar os meus vícios.
Nzambi disse: não.
Eles não são para eu tirar, mas para você desistir deles.
Eu pedi a Nzambi, para fazer meu filho aleijado se tornar completo.
Nzambi disse: não.
Seu espírito é completo, seu corpo é apenas temporário.
Eu pedi a Nzambi, para me dar paciência.
Nzambi disse: não.
Paciência é um subproduto das tribulações; Ela não é dada, é aprendida.
Eu pedi a Nzambi, para me dar felicidade.
Nzambi disse: não.
Eu dou bênção; Felicidade depende de você.
Eu pedi a Nzambi, para me livrar da dor.
Nzambi disse: não.
Sofrer te leva pra longe do mundo e te traz para perto de mim.
Eu pedi a Nzambi, para fazer meu espírito crescer.
Nzambi disse: não.
Você deve crescer por si próprio! Mas eu te podarei para que dês frutos.
Eu pedi a Nzambi todas as coisas que me fariam apreciar a vida.
Nzambi disse: não.
Eu te darei a vida, para que você aprecie todas as coisas.
Eu pedi a Nzambi, para me ajudar a AMAR os outros, como ele me ama.
Nzambi disse: Ahh, você entendeu a idéia.

 

O maior problema é que a gente está sem Tempo há muito tempo

Ngúzu

Mesmo a filosofia em torno da fotografia sendo vasta, assim como também suas práticas, há quem se arrisque a tentar definí-la de forma lacônica, mais comumente “o congelar do tempo”. Não carrego tamanha ousadia, não em relação a fotografia, mas em relação ao Tempo, embora sendo quase impossível tratar de maneira desassociada.

 

Num determinado momento passei a ficar longos períodos a observar algumas pessoas nas práticas e funções pelas casas. Sendo roeado pela dúvida sobre qual a história de cada uma delas? E como não há retrato que dê conta de descrever o todo, me proponho então a tornar essa dúvida ainda maior em retratos de leitura ambígua, assim como os mistérios, diferente dos segredos.

 

Qual energia te rege?

Buscar identificar as energias em territórios criados para movimenta-las requer certo aprendizado sobre os fundamentos, ritualísticas e, principalmente, sobre gente.

Quem manipula as forças é quem mais produz a kiumba, antogonismo a parte, é também quem lutou pela existência dessas espaços, os terreiros. Não apenas neles está essa força, mas o nguzu, o ase, praticado nos Jinzo, Ilês, Templos são representações do mundo exterior, da natureza primitiva, das forças primárias.

Os terreiros, assim como os quilombos, possuem suas vastas semelhanças, são locais de produção de saberes e vivências geralmente contrárias às tensões externas. O mundo tensionado na luta em preservar a natureza, o terreiro já o faz. O mundo justificando o injustificável com a escravidão, o quilombo era oferta de libertação. Há então um contraponto filosófico e antropológico nesses territórios, regido por forças conhecidas ou não. E tal desconhecimento nos leva ao encontro do mistério, que diferente do segredo, se apresenta como força convidando quem precisa vivencia-lo. Essa vivência não revela o mistério, ele segue como tal, pois outra pessoa a vivencia-lo encontrará as diferenças que o tornem sempre diferente do antes e do depois, o mistério é único, por isso é mistério, o mistério e uma parte do Tempo, nunca igual.

Transe

Curar com ervas, rezas, “fumacês” e todo tipo de elemento disponível na natureza, vem bem antes da fundação desse ou daquele tipo de prática religiosa. É essa prática, de dar passagem às entidades ancestrais, de passar as ervas e tudo mais nas pessoas, o passe é parte da nossa história mesmo antes da forjada descoberta.

Citar nomes… Luzia Pinta…

Quantas curas foram feitas entremundos?

Um dos pilares das religiões de matriz africana é de que existem dois mundos, o físico e o espiritual. Experenciar o trabalho feito pelas entidades que transitam esses dois mundos reforça a ancestralidade conectando práticas tão poderosas e transgressoras no tempo espaço.

Um dia perguntei ao caboclo se eu estava preparado, ele me respondeu: nem eu estou preparado.

 

CAMARINHA DE FEITURA 2022

Dia 1
Exu do Lodo
A nobreza nos conduz à luz
Tenha atitudes nobres quando tiver chance

Dia 2
Humildade e força de vontade de aprender
“Quem vê o sorriso hoje, não sabe como doeu quando os dentes rasgaram a gengiva”

Dia 3
Equilíbrio espiritual, sobre ter confiança nas próprias entidades
Equilíbrio financeiro, sobre saber se virar quando a coisa apertar
O fato é, dê o mínimo de trabalho possível

Dia 4

 

“Onde estão os deuses, os felizes habitantes do céu que o homem chamava de “imortais”? Desapareceram, Não estão mais no céu nem na terra, refugiaram-se DENTRO DE NÓS. A origem do mito perde-se na noite da pré história, mas coincide pelo menos virtualmente, com um acontecimento de extraordinária importância no longo caminho da evolução humana. O homem até então aterrorizado e subjugado pelas forças da natureza, compreende que o raio incendiário, o tornado, o MAR tempestuoso ou o sol que escurece no meio do céu tem uma causa, obedecem a uma lei misteriosa e poderosa da qual depende a vida de tudo e de todos.” Bruno Nardini – Mitologia.


Há duas formas de comunicação que não necessitam, necessariamente, de textos ou de traduções: a primeira delas é a imagem e a segunda, a música. A exposição “Quando o Orixá fala”, do artista Nego Júnior, trata exatamente dessa minúcia: de forma acessível e sútil busca-se fazer à aproximação do indescritível, porém passível de sentimento. Na imagem reside o fascínio, a beleza e, o abstrato – pretende-se que a partir dela se estabeleça uma jornada que ninguém sabe ao certo onde vai chegar.


A exposição traz imagens em preto e branco de cultos religiosos de diferentes terreiros brasileiros, um processo que pretende revelar e possibilitar de alguma forma a materialização de cultos, casamentos e festas desses espaços sagrados. E ao mesmo tempo respeitar a temporalidade e o silêncio de datas. O artista também tem por intenção abrir diálogo sobre a função da fotografia, mas principalmente a apreciação ao indizível.


Sob o rótulo do “transe” e da ávida imaginação que rodeia os terreiros – foram pesquisados, visitados e vivenciados pelo artista, terreiros do Recôncavo Baiano, São Paulo e Rio de Janeiro. As imagens perpassam por diversas representações e projeções sobre o passado, presente até alcançar o futuro. Nesse contexto, é ainda urgente discutir, dentro do processo cíclico da história, a criminalização das religiões afro brasileira, triste realidade que se repete nos dias de hoje.

 

“Quando o Orixá fala” discute as suas sementes diaspóricas africanas e agora raízes fincadas no Brasil. Nasce aqui a multidiversidade religiosa e a resistência cultural. A representação de mundos complexos como do Candomblé e da Umbanda aparecem para que cada espectador reflita e viva sua singularidade. Para que tenham a liberdade e a abstração do externo e nisso, emerjam outras magias que estão no mundo, outras possibilidades a saber mediações entre céu e terra, o respeito a NATUREZA e o amor.


Tocado no sensível e preocupado com os vários sentidos a expo levará ainda alguns objetos sagrados utilizados nos terreiros para serem conhecidos, como pedras e adornos, Orixá não verbaliza, mas, paradoxalmente, de alguma forma fala pela natureza, ele é a própria – o corpo humano é natureza. Ouçamos com os olhos o que a imagem (e o orixá) tente a mediar entre homem e o mundo.

Mukixi (Ngola) o Nkisi (Kongo) e Hamba (Ngola/Kongo)

 

Uma lição latente do período escravocrata no Brasil surge ao olhar para a fuga dos escravizados e consequentemente a construção dos quilombos. Esta fração da história se repete nas suas inúmeras formas e nos mostra a importância da evasão para que a espiral seja nutrida por Pambu Njila. Talvez eu não tivesse a coragem dos meus ancestrais, talvez eu seguisse aceitando a condição imposta mesmo tendo a possibilidade de tentar a fuga ou alguma ação de revolta com a situação. Mas, no hoje, sabendo daquelas pessoas que tiveram tal desassombro, não posso me afastar de tamanha grandeza. 

 

Esses corpos carregaram culturas, filosofias, formas, linguagens e tudo mais para, no hoje, ter-se a possibilidade de culto e re-experienciar as vivências superadas por tanta violência.

 

Na força de Mukixi, Nkisi, Hamba, Òrìsà, Vodun, Preto-velho, Caboclo, Entidade de Lei, Bakulo, Egúngún, Encantado, Encanto e toda energia de forças primárias que se manifestam nos territórios deste lado do Atlântico, sigo caçando essa conexão e documentando com ou sem a câmera fotográfica, tudo aquilo que mexe com o ser ancestral que me habita.

 

“Humildade, bico calado e pé ligeiro”

— Nengua Ganguasesse

 

—–

 

Gameleira-Branca

Também conhecida como Mata-Pau ou Figueira Mata-Pau. No candomblé, em geral, é chamada de Iroko; a Gameleira-Branca é uma árvore de grande porte que pode atingir 30 metros de altura e requer bastante espaço para seu crescimento. Ela é do gênero “Ficus sp”
que possui, em média, 750 tipos (espécie) no mundo e no Brasil existem cerca de 64 tipos; boa parte nativa do Brasil e é muito comum na Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia. Na foto é uma “Ficus macrophylla”.

O nome Mata-Pau vem da facilidade de suas sementes brotarem nos troncos de outras árvores e quando crescem envolvem a planta que serviu de abrigo para sua semente a ponto de matá-la.

E porque o nome gameleira? Ela recebeu esse nome porque sua madeira é muito utilizada para fabricação de canoas e gamelas (Kiwá Nzazi! Kiwá Matamba!).

Essa planta está associada ao Nkisi Nzazi, Matamba e Kitembu.
É uma folha muito quente e tem que se tomar cuidado na colheita, pois depois do meio-dia é de Nzila. Quinadas (maceradas) são usadas para banhos de seus filhos e para aqueles que desejam superar acontecimentos do passado. É uma folha tão importante que alguns mais velhos dizem que colocá-las debaixo do travesseiro do enfermo afasta o perigo da morte.

Seus frutos são muito consumidos por macacos e morcegos que acabam disseminando suas sementes, inclusive alimentando peixes e aves em geral. O extrato dessa folha possui ação antibacteriana e algumas espécies de “Ficus” tem ação antitumoral, anti HIV-1 e vermicida¹. Na medicina popular², existe registro de utilização do látex (suco leitoso) juntamente com o leite de vaca para combater a verminose, mas não aconselho esse tipo de utilização levando em consideração que o suco leitoso é irritante e quem não domina essa prática não deve praticá-la. Há outros relatos de utilização, pela
indústria farmacêutica, do suco leitoso na composição de medicamentos para desobstrução do fígado.

#lumyjacarejunçara
#plantassagradas

Fotos: Tata Isaba Undelê (@luciano_undele)
Revisão: @tataluazemi
__________
1- Oliveira, A.H. de et al. Atividade Biológica de Ficus…
2- Alves, A.B.; Carauta, J.P.P.; Pinto, A. da C. A história das Figueiras….

Kávalu

Mais pela cura e menos pela caridade.

 

Ao observar o desdobramento de alguns cultos pelo Brasil, é possível notar a ideia de caridade para validar o trabalho ofertado, para expressar o “fazer o bem, sem olhar quem”, um conceito de doação sem esperar nada em troca. Mas quando nos reconectamos aos nossos ancestrais, identificamos a ausência dessa caridade por não haver diferenças, por não existir dúvida que necessitasse de validação ao trabalho, isso foi algo imposto com o passar do tempo junto de toda estrutura criada para apagamento dessas manifestações.

 

Partindo desse pensamento, a cura se apresenta ofertada por quem dispõe da sabedoria do fazer curar a partir das forças primárias contidas na natureza, sejam elas físicas ou espirituais. A cura então pode ser entendida para além de tomar para si um remédio, mas como alimento para corpo, alma e espírito. Aqui, tendo como ponto de partida o encontro dos povos indígenas (ancestrais da terra) com os Bantus e seus respectivos desdobramentos dos cultos surgidos no Brasil, em especial o Calundu, a Umbanda e o Candomblé.

Umbanda, sub (V) Bruxaria; magismo. | Arte ou maneira de encantar, de curar; kubanga | Produção de actos mágicos.

 

Mbanda, sub, (IX) Preceito; mandamento; ng’a ku bana o — ni kijila | Prescrição; indicações, licença | Actos prescritos pela religião contra, os supostos espíritos maus. | Regra!

 

Kimbánda, sub. (III) Pessoa que trata de doentes. | Mágico; exorcista; necromante; bruxo.

 

Ka Nzo Ndómbe — algo como ‘casa de nação (província)’

Ka, adj. e pron. poss. Delas; deles | Pertencente às suas pessoas (deles): o kambua – k’anete; o kamuxi — k’atoloka | ene, propriamente deles, de mais ninguém: o kangombe’aka — ene.

Nzo, sub. (IX) Abrev. de inzo. | Edifício; moradia, casa.

Ndómbe, adj. (IX) Sombrio | Em que não há claridade ou luz suficiente | Obscuro : mu’nzo ia | Que não é claro | Baço; moreno: mundele ua | Trigueiro | Empanado; sem o brilho que lhe é próprio | Preto; mate : risanga ria | fig. Falto de alegria | Triste || corog. Pov. e sede do posto civ. do mesmo nome, conc., distr. e prov. de Benguela, com 7.763 hab. || ‘a polo, sub. zool. Certa qualidade de cobra.

Passe

Mais pela cura e menos pela caridade.

 

Ao observar o desdobramento de alguns cultos pelo Brasil, é possível notar a ideia de caridade para validar o trabalho ofertado, para expressar o “fazer o bem, sem olhar quem”, um conceito de doação sem esperar nada em troca. Mas quando nos reconectamos aos nossos ancestrais, identificamos a ausência dessa caridade por não haver diferenças, por não existir dúvida que necessitasse de validação ao trabalho, isso foi algo imposto com o passar do tempo junto de toda estrutura criada para apagamento dessas manifestações.

 

Partindo desse pensamento, a cura se apresenta ofertada por quem dispõe da sabedoria do fazer curar a partir das forças primárias contidas na natureza, sejam elas físicas ou espirituais. A cura então pode ser entendida para além de tomar para si um remédio, mas como alimento para corpo, alma e espírito. Aqui, tendo como ponto de partida o encontro dos povos indígenas (ancestrais da terra) com os Bantus e seus respectivos desdobramentos dos cultos surgidos no Brasil, em especial o Calundu, a Umbanda e o Candomblé.

Umbanda, sub (V) Bruxaria; magismo. | Arte ou maneira de encantar, de curar; kubanga | Produção de actos mágicos.

 

Mbanda, sub, (IX) Preceito; mandamento; ng’a ku bana o — ni kijila | Prescrição; indicações, licença | Actos prescritos pela religião contra, os supostos espíritos maus. | Regra!

 

Kimbánda, sub. (III) Pessoa que trata de doentes. | Mágico; exorcista; necromante; bruxo.

 

Ka Nzo Ndómbe — algo como ‘casa de nação (província)’

Ka, adj. e pron. poss. Delas; deles | Pertencente às suas pessoas (deles): o kambua – k’anete; o kamuxi — k’atoloka | ene, propriamente deles, de mais ninguém: o kangombe’aka — ene.

Nzo, sub. (IX) Abrev. de inzo. | Edifício; moradia, casa.

Ndómbe, adj. (IX) Sombrio | Em que não há claridade ou luz suficiente | Obscuro : mu’nzo ia | Que não é claro | Baço; moreno: mundele ua | Trigueiro | Empanado; sem o brilho que lhe é próprio | Preto; mate : risanga ria | fig. Falto de alegria | Triste || corog. Pov. e sede do posto civ. do mesmo nome, conc., distr. e prov. de Benguela, com 7.763 hab. || ‘a polo, sub. zool. Certa qualidade de cobra.

Sementes

Somos sementes violentamente espalhadas em terras ricas regadas com muito sangue.

 

A chegada dos colonizadores nas Américas, em especial no Brasil, inaugura o processo de interferência do homem na natureza para fins não sustentáveis. Tanto povos originários quanto os trazidos para cá nos séculos de escravidão, fazem surgir novos cultos a partir de uma matriz de preservação do planeta. Kalundus, Makumbas, Catimbós, Candomblés, Umbandas, Pajelanças e tantas outras práticas sempre propuseram a manutenção dos recursos finitos deste planeta. A ideia de religião derivada do latim “religare”, religar, voltar a ligar não representa essas culturas que a todo momento estiveram conectadas à natureza e consequentemente ao ato de preservá-la.

 

O capital avançou e ainda prossegue regendo a grande maioria das práticas e interesses da humanidade, mesmo com o alerta das mudanças climáticas. 

 

Na contramão estão as mais variadas culturas, em sua grande maioria conectadas aos saberes ancestrais e seus costumes. A população mundial luta pela preservação enquanto povos e culturas tradicionais já alertavam.

 

Este ensaio é uma amostra das minhas vivências de culto e preservação da natureza através das religiosidades de matrizes africanas e ameríndias. Principalmente, a Umbanda e o Candomblé se fizeram e herdaram a mescla de várias culturas de vivência espiritual e veneração ao meio ambiente.

Ngoma é voz ancestral

Confesso que tenho dificuldade de cultuar as divindades como deuses e deusas que decidem por nós de maneira ISOLADA E PRONTO!

Se comprei esse carro foi o rei das matas que permitiu, se consegui um novo emprego foi a rainha das águas que me deu.

O universo é muito dinâmico e plural pra mamãe ou papai mandar um pacote de benção assim justinho.

Lógico que tem nossa fé na jogada e se tem fé é meio caminho andado ou até mesmo o caminho todo. Lógico também que toda uma vida não dá conta de experimentar por completo a obra energética e alcance de uma só divindade.

Mas o que eu quero dizer é que acredito num conjunto de energias que se misturam como tudo na natureza. Não tem noite sem dia, não tem lua sem sol, não tem árvore sem terra e por aí vai.

Você até pode ganhar um mimo de mamãe, mas teve tempo de papai, justiça do rei, fertilidade da rainha etc etc etc…

Me sinto mais integrado ao todo assim e não somente ao fruto sem considerar galho, tronco, raíz, solo, água… sem que esse somente seja pouco, definitivamente não é.

Esse papo é só pra falar que coletivamente somos mais fodas, não é fácil, mas somos!

#orixa #orisa #umbanda #candomble #ase #axe #hikaricreative #eyeshotmag #apfmagazine #shotzdelight #ketu #jeje #documentaryphotography #photocinematica #one__shot__ #myspc #eyephotomagazine #thepictoriallist #photo_collective #intercollective #streetphotographybrazil

 

2020 – Itapecerica da Serra, SP

Cabe numa folha

Vai menino de veste branca
Pequeno, cabe numa folha
Dessabe a força, criança
É sem malícia, só perdoa
Só tem vontade
Nem sabe porque
Pambu Njila sabe
Quer tocar, se benzê
A mão qué tá no couro
Mais velho deixa não
Senta, Tempo é ouro
Ngoma tá só vacilão
O mais velho piscou
Menino é veloz
Foi lá, subiu, tocou
Nkisi bolou, feroz
Tem festejo na roça
Nguzu no barracão
Kambone suspenso evitou a coça
Hoje menino, amanhã ancião
Celular desligado
Tá fora da bolha
Agora feliz, danado
Não cabe mais numa folha

 

— Nego Júnior (Menino: Cauã — Inzo Tupinambá)

Áyrà Obà Ợbàtálá Intilé

Hoje é dia de ritual na Aldeia, nossa roça. Tudo pronto para mais um assentamento como manda a cartilha da nossa Nação.

Veio todo mundo, filhas, filhos, familiares, pessoas do convívio, gente do trabalho e até desconhecida, pessoas de outras casas de axé também vieram, até mesmo quem não é do babado veio. Veio cachorro, gato, galinha e pássaros também.

Tava tudo nos conformes e o metal bateu pra puxar o couro potente das mãos certas e vibrantes. Era o início da cerimônia e elas vieram, entidades e divindades trazendo e movimentando energia na medida para consagrar quem ali estava e até quem distante precisava daquele axé.

Mas o guia do pai não veio, não se manifestou.

Todo mundo abalado com aquela situação se perguntando “mas por quê?”.

No fundo no fundo sabíamos o porque, mas ele não estava evidente pra nós.

Eis que um ancião pediu licença pra falar e disse:

— Sabem por quê? Porque nosso pai precisa descansar. Um cansaço que também vem do esforço dele em nos trazer conhecimento e sabedoria. E hoje, diante de tudo dando certo, como vem dando há anos, esse descanso é um presente merecido pra que ele possa recarregar seu ori com novas missões que estarão por vir.

Quando o ancião terminou de falar o caboclo chefe veio no pai e emocionou mais ainda a todas e todos que ali estavam. A emoção era tanta que nem os ogãs aguentavam tocar, era um sentimento geral, até pássaros silenciaram.

Ele não disse uma só palavra, apenas ofereceu seu paó aos presentes e voltou pra “Aruandêra” novamente.

Aquele ritual estava confirmado!

Foi assim que naquele dia filhas e filhos aprenderam como nunca antes que havia chegado o momento de colocar em prática os ensinamentos do nosso Pai Edilson de Áyrà Obà Ợbàtálá Intilé.

ÌRì

s. Orvalho, sereno.

 

A natureza em Parelheiros é diferente do resto da cidade.