A pipa
Enroscada no fio, perto da laje do tio…
– Aê tio, pega a pipa pra mim que enroscou no fio?
– Ah moleque, porque não vai pra escola ao invés de ficar na rua soltando pipa?
Sujo, um pé descalço, o moleque de olhar cansado respirou fundo e disse…
“Acordei cedão. Logo que o dia clareou eu já tava no farol e o trânsito bombando, vendi todas as balas que minha mãe me deu, uma mulher até comprou três de uma vez, tinha o nome bonito, atendia por Carol.
Tô rouco de tanto gritar: levaaaaa a bala pra ajudar minha família sair da vala.
Pra piorar meu chinelo arrebentou, to com o pé que é pura bolha, mas não desisti não, isso acontece sempre, só é ruim quando falta um preguinho pra dar um jeito no borrachão.
Minha mãe deixa eu pegar uma parte da grana pra comprar um salgado e matar a fome, mas eu prefiro a pipa, ela me dá mais alegria sabe? Eu sei que quando chegar em casa vou apanhar, todo dia é assim.
Mas a dor da surra não é maior do que ver ela entregar o dinheiro, do meu dia suado, pro meu pai. Ele sai correndo direto pro bar e toma tudo de pinga num copo americano dele mesmo, diz ser de estimação. Aí… me sinto menos querido por ele que aquele copo, pode acreditar. Minha mãe ama ele.
Queria tá na escola, mas não me deixam estudar, tenho que levar dinheiro pra casa todo dia, senão já viu né?´Aliás, já tá anoitecendo, vou indo tio.
Deixa a pipa pra lá, amanhã eu compro outra e solto longe fio.”
Por Nego Júnior